Colaboradora Especial de hoje: Laura Martins

A Laura Ma é autora do blog A Cadeira Voadora, e dona de um texto maravilhoso, e muito inspirador. Fico muito feliz em compartilhar com vocês o trabalho dela. É muito gratificante poder usar este espaço para falar de um tema tão importante como a acessibilidade!!! Precisamos lutar pela melhoria de acesso nas nossas cidades!!  Obrigado, Laura, por compartilhar suas opiniões com a gente!! Abração!

Buenos
Aires de cadeira de rodas

Para
conhecer Buenos Aires, ouça tudo o que lhe falaram, mas deixe os
preconceitos em casa. É que a cidade não cabe em rótulos; tem
várias faces e atrações para todos os gostos. É como aquela
conhecida cadeia de lojas: “Você tem seu estilo, nós temos
todos”.
Por
isso me apaixonei por Buenos Aires… Ela recebe todas as tribos. Se
você faz o estilo chique, vai amar a Recoleta. Retrô? San Telmo.
Cool? Palermo Soho… Tem espaço para o turista que só quer fazer
compras, para o viajante que curte cultura e gastronomia, o que ama
os vinhos e o tango! Mas eu sou cadeirante e me perguntei se teria
espaço para mim. Oh
là là
!!
Fui conferir! Como achava que a cidade era a minha cara, cheguei à
conclusão de que valia a pena pagar para ver.

“Como
assim, Bs As é a sua cara? Você não acabou de dizer que ela tem
várias caras?” Disse e repito. O que acontece é que eu também
tenho várias…

Calma,
não se trata de um defeito de caráter! É que, como explico no
perfil de meu blog, sou barroca e metamorfose. Amo os contrastes, o
claro/escuro. E, como Raul, prefiro ser uma metamorfose ambulante.
Assim, Buenos Aires é minha praia! De manhã, San Telmo, à tarde,
Recoleta, à noite, Palermo; amanhã tudo diferente…
Mafalda em San Telmo
Mas,
afinal, Buenos Aires oferece ou não acesso para o cadeirante? E não
é que oferece? Está longe, muito longe do ideal, ou melhor, a
verdade é que ainda está longe do necessário,
mas é possível um cadeirante se virar bem por lá.
No
aeroporto de Ezeiza, você será bem recebido, inclusive com banheiro
acessível. Poderá adquirir seus pesos no posto do Banco de la
Nación que há na saída do desembarque internacional: a cotação é
ótima, sua cadeira entra, e há prioridade de atendimento. Não dê
bobeira: pegue seu táxi no quiosque da empresa Táxi Ezeiza; eles
selecionarão um carro em que sua cadeira caiba e você não correrá
o risco de pegar um clandestino.

hotéis com adaptações em vários bairros; para saber quais, basta
garimpar no Booking.com. Mas não reserve pelo site:
telefone, mande e-mails, faça de tudo para garantir que a
acessibilidade apregoada não seja mera maquiagem (isso ocorre,
viu?).
Quanto
aos bairros, vamos lá! Passear pela Recoleta é ótimo, porque há
rebaixamentos de calçada em boas condições, e isso permite
atravessar as ruas com segurança.
Rebaixamento na Recoleta
 A maioria das calçadas não
apresenta danos, e as ruas são asfaltadas. Há locais que facilitam
seu acesso, como o Alvear Palace Hotel, que oferece plataforma
elevatória, ou o café Josephina, onde há entrada plana e banheiro
acessível. E um programa imperdível e totalmente acessível: a
Livraria Ateneo Grand Splendid (bem, para subir ao palco, onde está
o café, a rampa é muito íngreme…).
Ateneo-Grand-Splendid
Plataforma elevatória no Alvear
Por
outro lado, San Telmo tem acesso difícil, pois as ruas são
revestidas com paralelepípedo, o que provoca uma enorme
instabilidade da cadeira de rodas, e as calçadas são estreitas e
esburacadas. Mas é tão bacana que a gente paga o preço. Achei que
compensou.
Rosedal–Borges e eu
Em
Palermo, varia. Na região dos parques, não encontrei rebaixamentos,
e os meio-fios são altos. Meu irmão sofreu para conduzir minha
cadeira de rodas por lá. O Rosedal é lindo, mas o revestimento com
pedriscos torna a circulação quase inviável. Mas o Jardim Japonês
é acessível, e o Malba também! No fim das contas, mesmo com as
dificuldades, também acho que vale a pena passear pelos parques, por
causa da beleza e do ambiente sossegado.
Rosedal—piso com pedriscos
O Jardim Japonês é acessível
Em
Palermo Soho é fácil se deslocar, em geral. As calçadas são
largas e bem cuidadas. E é ótimo para quem curte restaurantes
transados e vitrines descoladas. Gostei particularmente da loja Juana
de Arco (um degrau na porta).
No
centro da cidade, há muitas calçadas quebradas, assim como
rebaixamentos danificados. Mas a pessoa não deve se deixar intimidar
por isso. Afinal, um cadeirante viajante, lamentavelmente, já está
acostumado com a falta de cuidado tanto do poder público quanto da
iniciativa privada. É comum que as leis que garantem o acesso não
sejam cumpridas, e, assim, muitas cidades ainda não estão equipadas
para que todos
possam circular com desenvoltura e conforto e ter acesso ao básico,
como banheiro, por exemplo.
Rebaixamento no centro
Calle Florida
Bem,
o fato é que vale a pena enfrentar as ruas e calçadas do centro.
Afinal, você vai deixar de conhecer o Centro Cultural Borges? De
tomar chá no Los Pastizales Café/Restô, de conhecer as Galerias
Pacífico
ou traçar uma torta no Como em Casa, dentro do Convento
Santa Catalina de Siena, um lugar adorável e uma ilha de
tranquilidade no meio do burburinho? E tudo isso tem acesso para
cadeirantes, após ele ter aprendido, claro, a superar os desafios
que vai encontrar nessa região.
com minha mãe em frente ao Tortoni—só um degrau
Puerto
Madero é um bom local para se locomover, apesar de alguns trechos
calçados com paralelepípedos. Mas é possível circular na maioria
dos pontos, e muitos restaurantes têm acesso, incluindo banheiro
adaptado. É um passeio bonito e agradável – particularmente no
fim de tarde.
Puerto Madero alterna paralelepípedo e asfalto
Mas
é preciso alertar os cadeirantes para um grande desafio: quase toda
a frota de táxi da cidade é movida a gás. Por causa disso, os
porta-malas estão ocupados com os cilindros, o que elimina a
possibilidade do transporte da cadeira de rodas. Então, vale pedir
por telefone um táxi com a mala vazia ou um utilitário, sob o risco
de ter de ficar muito tempo tentando parar um carro em condições de
transportar a cadeira…
E
é necessário fazer outro alerta. Muitos espetáculos de tango e
apresentações musicais acontecem no subsolo ou no andar de cima,
com extensas e perigosas escadarias para transpor. Que pena, gente!
Haja braço forte dos amigos ou de desconhecidos para carregar a
cadeira de rodas, quando isso é possível… Fico torcendo,
então, para que os portenhos, tão acolhedores, preparem melhor essa
cidade adorável para incluir não somente cadeirantes, mas também
pessoas com outras deficiências.
Assisti
a um espetáculo de tango no Centro Cultural Borges, mas não achei
muito bacana. O pessoal do El Querandi me informou, por e-mail, que
há acesso; vou conferir em minha próxima viagem e conto para vocês.
Bem,
fico por aqui. Quem quiser saber mais sobre minhas idas a Buenos
Aires pode acessar meu blog A Cadeira Voadora.
Afinal, sempre há muito por dizer a respeito da cidade. Não posso
ocupar todo o blog do Marco Cavalheiro!
Laura, ficarei muito feliz se você ocupar todo meu blog, pois a qualidade do teu texto é fantástica!! 🙂 Este espaço está sempre à sua disposição!! Obrigado!!



2017-09-06T16:25:35+00:00

3 Comments

  1. Quéle 16 de fevereiro de 2012 at 22:18

    Laura, amei a tua aventura portenha, e concordo com o que você falou, e penso, que vale para todas as cidades que visitamos: "ouça tudo o que lhe falaram, mas deixe os preconceitos em casa". Perfeito! Beijos.

  2. J.B. 24 de fevereiro de 2012 at 13:14

    Adorei seu relato! Realmente é algo que nós que não somos cadeirantes dificilmente nos damos conta, ainda mais fora do país e na América Latina. Vou acompanhar seu blog com carinho.
    Obrigado por compartilhar conosco suas impressões!
    Saludos!

  3. J.B. 24 de fevereiro de 2012 at 13:16

    Laura, buen dias!

    Adorei sua perspectiva de B.Aires! É uma visão que nós não cadeirantes, desgraçadamente, não temos de qualquer cidade, ainda mais de cidades fora de nosso país. Esperamos que nossas cidades tenham cada vez mais facilitadores para vida de todos os que necessitam.
    Saludos Cordiales!

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